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quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Relato da maratona 2: chegada na largada.

Sai do hotel as 4:47 temeroso quanto à maneira de chegar até a biblioteca de NY de onde sairiam os ônibus. Apesar de haver muitos táxis em NY, em certos horários é praticamente impossível encontrar um vago. Felizmente, a madrugada não era um desses horários e consegui um táxi rapidinho. O plano B era ir correndo, já aquecendo para a maratona (do New Yorker Hotel até a biblioteca são aproximadamente 10 ruas adiante e 3 para o lado que daria em torno de 1,5km). O taxista, ao me ver vestido a caráter, perguntou se iria participar da maratona. Seguiram-se várias outras perguntas do tipo "quantas milhas são?", "de onde vai largar?", "qual era o percurso?" e "a que horas terminaria?", depois entendi que ele estava mais interessado no fato da maratona atrapalhar o trabalho dele, já que várias ruas seriam fechadas, do que na corrida propriamente. Ele não me deixou exatamente na biblioteca, pois a rua já estava fechada, mas fiquei dois blocos antes onde eu já podia ver outros corredores madrugadores. No dia anterior, na corrida da ONU tinha sentido muito frio, mas as pernas não tinham reclamado, de modo que fui, como uma minoria, só com o calção, sem nenhuma outra roupa por cima. Logo notei que o frio era relativo: no dia anterior não tinha sentido frio nas pernas porque os braços estavam desprotegidos; quando vesti mais camisas e não senti mais frio no tronco, passei a sentir mais frio nas pernas. No trajeto para pegar o ônibus, voluntários davam bom dia e pediam que deixasse os números visíveis (neles havia o carimbo autorizando a entrada no ônibus). Os ônibus paravam, enchiam rapidamente e saiam, uns dez de cada vez. Às 5:10 entrei no ônibus; sentei e tentei dormir um pouco mais. Logicamente que não consegui. Um rapaz com cara de alemão e com um Ipod sentou ao meu lado, menos por escolha e mais por falta de opção já que o ônibus estava lotando. Calado sentou, calado ficou até a chegada no local da largada. Minha personalidade introspectiva e anti-social não reclamou. Ainda era noite (o sol só iria nascer lá pelas 6:30h), a lua era cheia e saltava entre os prédios altos de Manhattan, contrastando o lual bucólico com os modernos prédios frutos da arquitetura e engenharia mais desenvolvidas da atualidade. Fechei os olhos, mas como não conseguia dormir (mas pela ansiedade do que pela falta de sono) resolvi apreciar o trajeto de Manhattan até a Staten Island, local da largada. Notei que existem várias New Yorks dentro de uma mesma New York. Isso também dá para notar durante o percurso da maratona: as pessoas são diferentes, as casas são diferentes, os prédios são diferentes. A largada começa na Staten Island, ilha onde habitam 400.000 pessoas, passa então para o bairro do Broklin que, se fosse uma cidade, seria a quarta maior cidade americana com mais de 2 milhões de habitantes. O próximo bairro é o Queens, indo então para Manhattan e depois para o Bronx e, enfim, retornando para Manhattan, terminando descendo a 5a avenida (a avenida mais famosa e cara do mundo) até a rua 59, entrando no Central Park antes do Columbus Circle para enfim concluir o percurso. Diz-se que se você consegue terminar a maratona, você andou em diferentes lugares de New York mais que qualquer novaiorquino anda durante toda sua vida. Demorou em torno de 40 minutos para chegar no local de largada. Fiquei pensando que se de ônibus leva todo esse tempo, imagine como os corredores de elite são realmente seres preparados geneticamente para correr, pois fazem o percurso em pouco mais de 2h. O frio era evidente e eu agradecia a Lúcia Helena por ter me lembrado de trazer as luvas, ao mesmo tempo que lamentava por não ter comprado uma calça na Expo para aquecer as pernas. Após descermos do ônibus, fomos saudados e encorajados arduamente pelos voluntários que já estavam lá naquele horário. Palavras de estímulo nos asseguravam que estávamos na festa certa e que a obediência disciplinar ao treinamento nos últimos 5 meses tinha valido a pena. Vi um caminhão onde estava escrito "Desafio: ver as pessoas passarem de você. Recompensa: passar deles depois" e decorei aquela mensagem para lembrar durante a maratona, pois era isso que eu tinha que fazer: seguir meu planejamento, independentemente dos ritmos dos outros 38367 corredores. Na entrada do Forte, tivemos que mostrar novamente o número e o que tinha dentro da sacola. Então, a partir daquele ponto, os corredores se dividiam de acordo com a cor do número em azul, laranja e, no meu caso, o verde. Batendo os dentes de frio, fui para a vila verde, torcendo que tivesse algum lugar aquecido aonde eu pudesse ficar até as 10:10h, hora da partida. Nesse momento, dois contrastes óbvios foram percebidos pela minha mente gelada: a solidão coletiva e lentidão seguida pela rapidez. Explico. Eu estava ali com mais 38367 corredores de mais de 10 países e apesar disso me sentia solitário. Lamentei pelo fato de Lúcia Helena não ter aceitado meu convite para participar e prometi que insistiria mais na próxima vez, afinal temos feito quase tudo juntos nos últimos 16 anos. Saber que ela estaria no support team juntamente com Natália, me aguardando na chegada era estimulante. O outro paradoxo era que eu deveria ficar o maior tempo possível parado, de preferência sentado, até a largada para depois correr contra o relógio e bater as 4 horas que era minha meta. Pensava: fica quieto, pára, senta. Mas após o tiro do canhão e o início da música "New York, New York" esse pensamento mudava para "corre, olha o tempo, find your pace, passa esse". São os contrastes da maratona.

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